A Vida é como um bolo?
"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se
deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser
humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo
começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra
diante vai ser diferente" Carlos Drumond de
Andrade
Somos constituídos de crenças e valores, assim como de
células e tecidos. As crenças nos estruturam
psiquicamente, enquanto as células definem nosso
estereótipo. As crenças são verdades que internalizamos e nos guiam quanto as nossas
atitudes e comportamento. Elas nos são inicialmente repassadas por nossos pais,
como o “dna da família”. Claro que ao longo da vida, quando interagimos com
outros grupos sociais como a escola, o clube, a rua que moramos, o espaço
religioso que escolhemos, vamos agregando outras crenças e ressignificando
também outras. É o movimento natural da
construção do viver. Afinal, apenas nos constituímos com a presença do
outro, aquele com o qual temos a possibilidade de comparar, refletir, se ver.
As crenças são institucionalizadas e permeiam os diversos
níveis onde estamos inseridos. Explico melhor: fazemos parte de uma família,
que faz parte de uma comunidade, que faz parte de uma cidade, de um estado, de
um país, enfim, assim como a cebola, estamos
inseridos em uma trama cultural, social e política.
Quando o Papa Gregório XIII promulgou o calendário como o conhecemos,
as pessoas, ou melhor dizendo, nós tomamos este “contar o tempo” como
referência, sem perceber, que também revimos, inconscientemente, o tempo da
palavra início e fim.
Por que digo tempo? Palavra tem
tempo ou significado?
A palavra tem tempo, espaço e sentimento: quanto tempo a
usamos até se tornar obsoleta; o espaço que permitimos que tenha de acordo com o
contexto sócio- político no qual vivemos; o significado que damos a partir de
nossas crenças e valores; a força da emoção que a envolve.
Bem, agora cheguei ao ponto!
Qual significado nós damos
ao calendário? Quais crenças nós estabelecemos para definir nossas atitudes e
sentimentos em relação a ele?
Será que absorver a ideia de que a vida é fatiada em anos,
com início e fim, também faz com que fatiemos nossa energia para realizar
projetos que são valiosos? Somos do time que deixamos para o ano seguinte o que
tanto queremos começar ou somos do time que corremos para terminar o que
começamos? Somos do time que posterga ou
do time que se estressa?
Será que a vida é contínua ou é como um bolo na prateleira da
doceria, fatiado, esperando que alguém peça uma fatia para saborear? Se
estivesse sem as marcas que limitam o pedaço, talvez tivéssemos a oportunidade
de apreciá-lo inteiro, perceber que todos os seus ingredientes formam um todo
tão coeso, que somos incapazes de distingui-los.
E se repetirmos a última
frase utilizando o feminino – a vida?
É a dialética que se apresenta: o calendário tão útil para
definir prazos, acompanhar planos e procedimentos, também nos tira a
possibilidade de um agir por inteiro, sem marcações, sem paradas.
“Há um tempo em que
é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e
esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo
da travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem
de nós mesmos.” Fernando Pessoa
Trouxe para esta minha reflexão dois notáveis poetas que nos
instigam com suas belas palavras. Eles são meu presente para cada um de vocês,
para que, a partir das crenças e valores que os constitui, possam fazer de 2013
ou um novo ciclo com seus novos projetos ou o continuar de seus projetos
revistos cotidianamente.
Afinal, a vida é
movimento e o balanço dela pode ser feito a cada dia, intensificando nossos
acertos e redirecionando o que não está adequado.
E como sou dialética, envolvida na cebola assim como você, fica
aqui meu desejo: espero que este “começar”, chamado Ano Novo, seja uma ótima
oportunidade para mudança de paradigmas que nos permita um olhar mais amplo,
integral, universal.