quarta-feira, 12 de dezembro de 2012


A Vida é como um bolo?

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente" Carlos Drumond de Andrade 

Somos constituídos de crenças e valores, assim como de células e tecidos. As crenças nos estruturam psiquicamente, enquanto as células definem nosso estereótipo. As crenças são verdades que internalizamos e nos guiam quanto as nossas atitudes e comportamento. Elas nos são inicialmente repassadas por nossos pais, como o “dna da família”. Claro que ao longo da vida, quando interagimos com outros grupos sociais como a escola, o clube, a rua que moramos, o espaço religioso que escolhemos, vamos agregando outras crenças e ressignificando também outras. É o movimento natural da construção do viver. Afinal, apenas nos constituímos com a presença do outro, aquele com o qual temos a possibilidade de comparar, refletir, se ver.

As crenças são institucionalizadas e permeiam os diversos níveis onde estamos inseridos. Explico melhor: fazemos parte de uma família, que faz parte de uma comunidade, que faz parte de uma cidade, de um estado, de um país, enfim, assim como a cebola, estamos inseridos em uma trama cultural, social e política.

Quando o Papa Gregório XIII promulgou o calendário como o conhecemos, as pessoas, ou melhor dizendo, nós tomamos este “contar o tempo” como referência, sem perceber, que também revimos, inconscientemente, o tempo da palavra início e fim.

                                  
                          Por que digo tempo? Palavra tem tempo ou significado?

A palavra tem tempo, espaço e sentimento: quanto tempo a usamos até se tornar obsoleta; o espaço que permitimos que tenha de acordo com o contexto sócio- político no qual vivemos; o significado que damos a partir de nossas crenças e valores; a força da emoção que a envolve.

Bem, agora cheguei ao ponto!

Qual significado nós damos ao calendário? Quais crenças nós estabelecemos para definir nossas atitudes e sentimentos em relação a ele?

Será que absorver a ideia de que a vida é fatiada em anos, com início e fim, também faz com que fatiemos nossa energia para realizar projetos que são valiosos? Somos do time que deixamos para o ano seguinte o que tanto queremos começar ou somos do time que corremos para terminar o que começamos? Somos do time que posterga ou do time que se estressa?

Será que a vida é contínua ou é como um bolo na prateleira da doceria, fatiado, esperando que alguém peça uma fatia para saborear? Se estivesse sem as marcas que limitam o pedaço, talvez tivéssemos a oportunidade de apreciá-lo inteiro, perceber que todos os seus ingredientes formam um todo tão coeso, que somos incapazes de distingui-los.

E se repetirmos a última frase utilizando o feminino – a vida?

É a dialética que se apresenta: o calendário tão útil para definir prazos, acompanhar planos e procedimentos, também nos tira a possibilidade de um agir por inteiro, sem marcações, sem paradas.

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” Fernando Pessoa  
              
Trouxe para esta minha reflexão dois notáveis poetas que nos instigam com suas belas palavras. Eles são meu presente para cada um de vocês, para que, a partir das crenças e valores que os constitui, possam fazer de 2013 ou um novo ciclo com seus novos projetos ou o continuar de seus projetos revistos cotidianamente.

Afinal, a vida é movimento e o balanço dela pode ser feito a cada dia, intensificando nossos acertos e redirecionando o que não está adequado.

 E como sou dialética, envolvida na cebola assim como você, fica aqui meu desejo: espero que este “começar”, chamado Ano Novo, seja uma ótima oportunidade para mudança de paradigmas que nos permita um olhar mais amplo, integral, universal.